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O Corpo Negro-Indígena, um país que conta através da arte e da dança a sua própria história

Com uma programação que ultrapassa 200 atividades em 13 unidades do Sesc RJ, o projeto O Corpo Negro-Indígena chega à sua quinta edição. 

Pela primeira vez, o festival integra com centralidade a produção artística indígena contemporânea na linguagem da dança, ampliando o seu escopo original — antes focado exclusivamente no protagonismo negro — e afirmando-se como uma iniciativa única nas artes da cena no país.

A edição de 2025 acontece de hoje a 15 de junho, em 11 municípios do estado do Rio de Janeiro.

Com a curadoria de Ágatha Oliveira, Barbara Matias Kariri, Betânia Avelar, Jandé Potyguara e Tieta Macau, a programação apresenta obras que vão da dança à performance, passando por audiovisual, música e debates.

Uma Dança Para Nossas Histórias.

MEMÓRIAS E DESEJOS

O Corpo Negro-Indígena afirma as múltiplas existências e resistências de artistas que forjam um Brasil que dança para contar a própria história, inclusive aquela que foi silenciada, colocando em cena corpos negros e indígenas que criam a partir de seus territórios, memórias e desejos.

Territórios representados neste ano com grande abrangência. Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraná, Piauí, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia e São Paulo formam um mosaico diversificado e plural de gêneros, temas, estéticas e modos de criar.

UMA PROGRAMAÇÃO VARIADA

A programação apresenta 25 trabalhos de dança, sendo 11 estreias nacionais nos palcos do Sesc RJ, possibilitando um importante fomento para os criadores da dança e oferecendo obras inéditas para os moradores do estado.

Entre os destaques da programação está o espetáculo Andará das Encantarias, de Karu Kariri, artista indígena criada na periferia da zona sul de São Paulo.

UM RITUAL CONTEMPORÂNEO

Karu Kariri funde a cultura ballroom à ancestralidade de seu povo, criando uma obra que transborda encantaria, identidade e luta.

Em cena, a celebração dos corpos LGBTQIAPN+ negros e indígenas reverbera como um ritual contemporâneo de resiliência. Como ela mesma define: “Pode-se até aterrar um rio tentando apagar a história que vive lá, porém debaixo da terra a água continuará a circular, até o dia em que, à superfície, ela retornará.”

Orutuna – Música Indígena Contemporânea.

A ESCUTA DA TERRA

A curadoria do projeto é atravessada por essa escuta da terra e do corpo como territórios de saber. 

Bárbara Matias Kariri, uma das curadoras, resume: “Corpos que dançam interligados com a terra. Fazer curadoria como quem olha para o chão onde pisa, como quem exercita a escuta para saber quais sementes plantar. Dançar Pindorama para dizer da resistência e fé presentes nesses corpos antigos e futuros.”

Essa perspectiva ecoa em toda a programação.

Na performance Espiral da Morte, a artista Uýra Sodoma expõe a diáspora indígena como ferida aberta e campo de reinvenção.

OS ARTISTAS UNIVERSAIS

Vencedora do prêmio PIPA em 2022, Uýra é uma das jovens artistas indígenas e expoente da cena das artes na atualidade, e tem ocupado importantes espaços culturais no Brasil e em diversos países do mundo, em eventos de grande relevância.

Uýra une-se a Lian Gaia e Rosângela Collares em um ciclo de performances e debates mediados por Samara Potyguara e Jorge Vasconcellos, que ocorre entre os dias 29, 30 e 31 de maio, no Sesc Copacabana.

Espetáculo Baculejo
Foto: Tiago Matine

A ESCUTA ANCESTRAL

Já em Ané das Pedras, Bárbara Kariri promove um ritual performático que convoca a escuta ancestral das pedras Kariri e a relação com o sonho.

Obras como essas expandem o conceito de dança, ao reinscrevê-lo em práticas de cura, memória e território.

A abertura oficial acontece no dia 20 de maio, no Sesc Tijuca, em uma noite especial para convidados.

A programação inclui apresentações de trechos das obras de João Petronílio e do grupo Artefatos Sagrados — marcando simbolicamente o início desta nova fase do projeto.

IDENTIDADE E RESILIÊNCIA

Mulheres negras têm destaque em três criações originais. Inaê Moreira apresenta Ecos da Separação, que propõe uma imersão sensorial com sonoridades e gestos ancestrais ao lado da DJ Marta Supernova, compartilhando seus diálogos artísticos com o seu trânsito e formação em África. 

Herdei meu corpo, de Valéria Monã, atravessa teatro e dança em uma potente reflexão sobre identidade e resistência. Por fim, as três marias, da Cia Líquida, presta tributo a sambistas negras idosas com força e brilho, buscando afirmar as contribuições das baianas das escolas de samba e seus saberes.

A INFÂNCIA NEGRA E OS ANTOS TRADICIONAIS

O projeto também oferece uma programação para o público infantil e famílias, com Xirê de Erê: Crianças Flutuantes, da Ouvindo Passos Cia de Dança, celebra a infância negra com dança e ludicidade.

O espetáculo Traços, do Coletivo Riddims, constrói um jogo de cena baseado nas brincadeiras infantis indígenas, pouco conhecidas das populações do Rio de Janeiro.

Complementando as atividades ligadas ao corpo, a programação musical promove show como Derê – Concerto Solo sobre o Pagode, de Muato, e Orutuna, da cantora indígena Eloá Puri, que funde cantos tradicionais e sonoridades contemporâneas em um show imersivo.

O Corpo Negro
Foto:  Helio Melo

A DANÇA NEGRA DO PAÍS

A linguagem audiovisual também apresenta trabalhos de realizadores relevantes como Alberto Alvares, com exibições como o documentário Guardiões da Memória, filmado em aldeias Guarani no RJ, Clementino Jr, com Trem do Soul, ambos contando histórias do estado do Rio de Janeiro em seus aspectos culturais.

Parte da historiografia pouco conhecida da dança brasileira também pode ser conhecida com Ijó Dudu – Memórias da Dança Negra na Bahia, de Zebrinha, que apresenta uma linha do tempo viva da dança negra no país.

ESPAÇOS DE DESCOBERTA

Ao reunir expressões artísticas de pessoas negras e indígenas, o Sesc RJ acompanha e fortalece o movimento cultural que transforma o terreno da possibilidade em terreiro de criações, abrindo caminhos estético-políticos na cena brasileira.

Como destaca a curadora Ágatha Oliveira, trata-se de garantir “a oportunidade, a possibilidade, a realização, o fazer a dança que se deseja — e como se deseja”.

A cada edição, consolida-se um espaço de investigação, descobertas e permanência para corpos que insistem, criam e movem as estruturas.