Estreou na última quarta (15) o curta-metragem Memória, do cineasta caxiense Emanuel Sant, no auditório do IFRJ, em Nilópolis. O filme e o making of das gravações foram exibidos para uma plateia de cerca de 40 pessoas e recebido sob fortes aplausos. Afinal, Memória contempla o legado que falta tanto aos periféricos que acaba sendo mais presente só por teimosia.
Antes do filme, o evento contou com a exposição visual “reconstrução cultural”. O atraso na exibição foi um retrato do que é ser formado em uma Baixada Fluminense de muitas forças e, sobretudo, sobrevivências. Por impedimentos técnicos não previstos, a equipe precisou usar de criatividade para resolver o problema de exibição. Isso é um talento adquirido, dificilmente notado em grandes centros e em profissionais cujas equipes são definidas por funções estáticas. Em Memória a equipe parece um time que também parece uma família. Neste caso, a família de cada um que vive nas periferias.

MEMÓRIA NÃO TEM RÓTULO
Memória conta o passado e presente que se interligam através de quatro personagens entre a resistência a identidade. Neste caso, assistimos um escravizado fugindo em busca de liberdade, um jovem artista enfrentando a opressão contemporânea, escancarando a persistência do racismo e as lutas da população negra no Brasil, uma criança ambulante vivendo em uma sociedade igualitária no futuro e uma professora indígena que tenta resgatar a memória história ao ensinar que a história do Brasil é um filme inacabado.
As cenas marcantes de Memória apresentam a beleza da fotografia de uma direção e de um roteiro criativos. A estética periférica se entrelaça com recortes, no uso de imagens de arquivo, no uso de referenciais do jornalismo tradicional às simbologias do cotidiano.
Emanuel Sant conta que Memória surgiu há três anos através da escuta da canção homônima, de Natö, artista de Duque de Caxias que atuou como co-diretor no filme. O roteiro é ousado e parte da premissa do verso que diz “História é filme, não é foto”. A narrativa, traçada em excelente monólogo encenado pela atriz Rita Niza, sugere o diálogo entre cultura e educação, entre memória imaterial e instituições formais. A professora de Niza não fala para os alunos, que não por acaso quase não aparecem. A câmera coloca os espectadores de frente para o quadro. A turma está cheia e isso é notado pela trilha sonora. Mas está sentada na plateia de cada exibição do filme Memória.
“Não tem um rótulo pro filme. Não é videoclipe. Não é uma ficção. Não é um documentário”, afirma Emanuel Sant.
O roteiro é assinado por Victor Marino e pelo próprio Natö. O músico contou em trecho do making of sobre como foi ter Memória inspirado em uma canção autoral.
“É uma coisa muito doida ver uma música que escrevi em 2018 cercado de gente que eu confio, tomando essa forma”, conta Natö.
A direção de arte de Luciana Nobre é um elemento incrível do filme. Todo o cuidado com a cena do saxofone, as homenagens em grafite, a edição de jornal e os figurinos não são acaso. “Uma história de amor e fúria”, uma animação brasileira de 2013 é referencial sobre a história do Brasil e seus traumas como escravidão, extermínio indígena e ditadura, atravessa a tela em cena da sala de aula.
Emanuel exibe maturidade na direção de Memória como se tivesse 30 anos de estrada. Os enquadramentos da fotografia de Herbet “Jomboh” Cardoso combinam com os planos inspirados e os inteligentes movimentos da narrativa. Outro ponto alto é o trabalho de pesquisa feito por Carolina Gonçalves e Lucas Moura, muito bem encaixados na arte e na narrativa de Memória.

HOMENAGEM A FABIO MATHEUS
A homenagem a Fabio Matheus, assim como a presença da jornalista viúva de Fábio, Bernadete Travassos, não é mera lembrança. Emanuel e grande parte da equipe são egressos do curso de audiovisual do EncontrArte, de ensino gratuito em Nova Iguaçu. O que os alunos falam sempre é da gratidão pela oportunidade dada em um lugar e em uma área escassa disso. São frutos muito bem trabalhados nas dificuldades e nas inspirações marginais. Não apenas Matheus, como Giordana Moreira, Dudu de Morro Agudo, Heraldo HB e tantos outros são homenageados na película. Também são peças importantes da engrenagem que leva Memória ao patamar de uma obra cânone manifestações culturais, religiosas e artísticas tão marcantes na Baixada Fluminense e no subúrbio do Rio de Janeiro.
Memória é uma obra que consolida a Baixada Fluminense no mapa do audiovisual carioca. Fruto de políticas públicas que não apenas fomentam a produção, mas aperfeiçoam artistas talentos que não habitam os grandes centros. Pessoas muito distantes dos privilégios contando as próprias histórias muito congruentes com tantas histórias apagadas, silenciadas, desvalorizadas e, finalmente, retomadas, narradas, conduzidas, transformadas e transformadoras.
A vida não é estática como uma fotografia. É um filme que fica na memória.
Serviço
Próximas exibições de Memória
São João de Meriti: 16/05 (sexta) – Espaço Bic 19h
Belford Roxo: 17/05 (sábado) – Donana 19h
Magé: 20/05 (terça) – Colégio Estadual José Veríssimo 13h
Seropédica: 20/05 (terça) – CineCasulo/IFRRJ 18h
*Japeri: 22/05 (quinta) – Biblioteca Municipal 16h
*Queimados: 23/05 (sexta) – Casa da Utopia 19h
Ficha técnica
Direção: Emanuel Sant
Co-Direção: Natö
Coordenação de projeto: Laura Gonna
Roteiro: Victor Marino e Natö
Assist. Direção: Guilherme Leopoldo
Assist. Criativo: João Vieira
Direção de Fotografia: Herbert “Jomboh” Cardoso
Direção de Arte: Luciana Nobre
Direção de Produção: Vio Anchieta
Produção Executiva: Laura Gonne
Direção de Som: Lucio Perpetuos
1º Assist. Câmera e Foquista: Gabriel Vitiello
2º Assist. Câmera: Macla Oliveira
3º Assist. Câmera: Isa Costa
4º Assist. Câmera: Vitor Dias
Gaffer: Yuri Veriato
Assist. de Gaffer: Felipe Gaygher
Makinf-off: Higor Cabral
Still: Marina Maux
Logger: Marques
1º Assist. Arte: Mariana Anddrade
2º Assist. Arte: Lorena Piores
3º Assist. Arte: Bruno Fernandes Monteiro
Figurinista: Bia, a.k.a. Imperatriz
Assist. Figurino: Marianna Baptista
Maquiagem Caracterizadora: Rebeca Frazão
1º Assist. Produção: Wargus
2º Assist. Produção: Luana Ferreira
3º Assist. Produção: João Queiroz
Produção e Preparação de Elenco: Paulo D’Souza
Grafite: Bea Simões
Midias Sociais: Higordão
Assessoria de Imprensa: Bernadete Travassos
Pesquisa: Carolina Gonçalves e Lucas Moura
Edição, Cor e Finalização: Herbert “Jomboh” Cardoso
Desisgn: Herbert “Jomboh” Cardoso